19 novembro 2007

Sociedade de Consumo


Mais um texto da Isabel Correia, numa já evidente e assumida parceria aqui no "Perdigão"a quem eu tenho votado, ultimamente, um forçado abandono.
Obrigado Isabel!!!!
SOCIEDADE DE CONSUMO


A evolução da civilização sempre foi no caminho que dava mais jeito aos que detêm o poder. Estamos agora no supra sumo da sociedade consumista, numa sociedade em que se o vizinho do lado tem um plasma ou um LCD de 20 x 20 metros, nós, mesmo que não tenhamos dinheiro para a comprar, ou parede para o pôr vamos por certo adquiri-lo, porque a nossa humilde televisãosita que não está avariada e tem o tamanho certo para o espaço que reservámos para ela, já está ultrapassada, embora saibamos também que daqui a 15 dias o plasma ou o LCD estará também obsoleto.

O meu primeiro automóvel era um Opel Kadett muito velhinho.Quando metíamos as mudanças tínhamos de ter muito cuidado se não ficávamos com a alavanca na mão. Se tivéssemos um furo, coisa que inexplicavelmente acontecia muitas vezes, tínhamos que levantar o carro a pulso porque o macaco furava a chapa. Mas apesar disso ele foi o carro das minha vida. Era uma risota e uma festa cada vez que entravamos nele, era uma aventura cada viagem que fazíamos, e nunca me passou pela ideia que um Porsche topo de gama fosse melhor que ele. Morreu porque já não havia peças para o consertar, mas teve um funeral digno da viatura que foi durante os longos vinte e tal anos que acompanhou a minha vida. Lembro-me quando o meu pai mo mostrou no stand onde o comprou, lembro-me quando ele mo ofereceu tinha eu acabado de tirar a carta, e lembro-me da viagem de núpcias que fiz nele à Serra da Estrela, que subiu com a dificuldade própria de sua provecta idade. Custa-me acreditar que fosse possível hoje em dia alguém ser feliz com um automóvel assim, pois se todos os nossos amigos e conhecidos têm um carro novo, todo xpto, até é uma vergonha nós não termos um melhor que o deles.

Mas o top dos tops do consumismo é na verdade o Natal . Quando somos crianças todos nós adoramos as prendas, lembro-me que para mim a melhor prenda eram sem dúvida os livros, que lia sofregamente e depois relia e voltava a ler. Quantas crianças hoje em dia ficam contentes se receberem do Pai Natal um livro? Nenhuma. Não é possível ficar satisfeito por receber um livro quando a oferta de jogos, consolas, telemóveis e todo este tipo de coisas que as leva a estar sentadas todo o dia frente à televisão ou ao computador é tão vasta. Querem em suma o que aos poderosos dá jeito impingir ao comum mortal. Os adultos esses oferecem ao amigo o que pensam que ele poderá gostar ou pura e simplesmente compram qualquer coisita porque parece mal não oferecer nada, e é mesmo obrigatório fazê-lo. E assim vemos desaparecer da nossa carteira o ordenado, o subsidio e sabe-se lá que mais em ofertas, que as pessoas que as recebem, a maior parte das vezes, põem a um canto da casa ou no fundo da gaveta, por não saberem muito bem o que lhes fazer.

Há já alguns anos que este “espírito natalício” que nos é impingido pela sociedade de consumo me incomoda, mas que posso eu fazer, é sempre difícil remar contra a maré. Para mim o ideal como oferta de Natal seriam palavras, palavras escritas, palavras bem do fundo do nosso coração, palavras que se calhar nunca tivemos oportunidade de dizer ao nosso familiar, ao nosso amigo, ao nosso vizinho, palavras escritas que eles merecem ouvir e que de certeza vão gostar, porque aquece-nos sempre a alma saber como somos importantes para as pessoas de quem gostamos. Para as crianças deveria ser qualquer coisa que as fizesse interagir com os amigos, com a natureza, que as fizesse sair da cadeira e do sofá e descobrir as coisas bonitas que ainda restam neste nosso Mundo, e que não são visíveis num ecrã de televisão, de computador ou numa consola. Depois com o dinheiro que ainda tivéssemos para gastar compraríamos prendas, mas desta vez seriam para oferecer a quem de certeza as iria adorar, a quem realmente precisasse delas, como os sem abrigo ou as crianças que vivem em instituições, talvez assim conseguíssemos dar-lhes um bocadinho de felicidade e ajudá-los a começarem a acreditar que ainda existe Pai Natal.


Isabel Correia

7 comentários:

Uma vida qualquer disse...

Porque falamos sempre da consciência social como se dela não fizéssemos parte? Como um problema que não podemos ajudar a resolver? Teremos perdido a fé em nós, ou é mais fácil culpar outros? Talvez o mundo mude demasiado depressa e sejamos incapazes do acompanhar; afinal antes as bolas eram de trapos.
Besos

Anónimo disse...

O Mundo mudou na realidade demasiado depressa, talvez por isso haja ALGUMAS coisas nessa mudança que era melhor que ninguém conseguisse acompanhar. Que mal tinha brincarmos com lindas bolas de trapos se eramos tão felizes quando brincavamos com elas.
A felicidade está dentro de nós, e para conseguirmos senti-la bastam pequenos gestos e acima de tudo a nossa vontade de ser felizes, não são precisas bolas de ouro e pedras preciosas.

Beijos

Isabel

Uma vida qualquer disse...

O que me consola do seu desânimo, Isabel, é que bem mirado, acompanha sempre alguma esperança. Quem brincou com bolas de trapo, receava por quem teve bonecas e livros para ler, igual que hoje tememos por aqueles que acedem a um mundo de aparelhos, com os quais nós, nem sonhamos.
E se a felicidade está dentro de nós, quê tememos?

Cravo a Canela disse...

Estou de acordo, Niña. Não creio que valha a pena temer ou encolher os ombros. Aliás, essa ideia que toda a gente hoje tem que não podemos fazer nada e que é inútil remar contra a maré é o maior logro dos nossos tempos. Acho muita piada quando as pessoas dizem que a nossa televisão só debita lixo, que é uma vergonha, mas que acabam por ver porque não há outra opção. Não há?! Como não há? A TV não desliga? Não podemos ver televisão só quando dão bons programas? Não temos mais nada que fazer que não inclua ver TV?
E o Natal é igual. Se de facto achamos que é um exagero o € que se gasta, tenhamos a coragem de assumir que comprámos prendas baratas mas com significado. Se sentimos que é hipócrita que as famílias só se juntem nesta época, tenhamos a ousadia de mudar. Se estamos fartos das mensagens de telemóvel banais e forçadas, tenhamos a ousadia de não enviar ou o trabalho de só enviar mensagens personalizadas. Mesmo que tudo isto nos custe o epíteto de "anormal" ou extra-terrestre...

Anónimo disse...

Haverá personagem mais doce que o E.T. ?
Só que na realidade ele não se sentia bem no meio de nós, teve que voltar para junto dos seus semelhantes.
A sua diferença inquietava tanto os terrestres !
No meu caso estou-me marimbando para o que os terrestres pensem de mim, mas se houver quem vá alertando os terraqueos para atitudes que têm sem se questionarem porquê, poderemos algum dia ser um bando gigante de cabeçudos a voar de bicicleta, com uma Lua brilhante em fundo.
Ou talvez não ....

Isabel

Anónimo disse...

Lembro-me que noutros tempos que a espera pelos presentes era o factor principal do Natal.Mas tudo muda...nestes tempos nada me dá mais prazer do que aquelas poucas de horas de comunhão no dia 24. O natal não pode ser um aniversário em uníssono, tem de ser a reunião de amigos, parentes... enfim gente que nos quer e a quem queremos bem.
Adoro-te e adorarei sempre.
Beijinhos do FIFI
Nuno

Uma vida qualquer disse...

Sr. Perdigão, tenho saudades suas.
Besos