28 abril 2006

Ele há coisas...

O texto que aqui transcrevo, chegou-me às mãos nem eu sei bem como.
Não conheço a personagem, nem se é homem ou mulher. Apenas fiquei intrigado com a forma como põe as questões.

Deixo, a quem quiser comentar, a possibilidade de descobrir está enigmática figura.

Abraços




"Sr Perdigão,

Com muito gosto acedo ao seu convite e tomo conhecimento deste seu livro aberto.

Mal me conhece e honra-me com a possibilidade de poder comunicar um pouco.

Gratidão é palavra "pequena" para expressar o meu apreço, mas queira considerar: sentimentos, não são o meu forte. Conto que procure entender esta posição.

Lamento só hoje poder deixar uma palavra à liberdade. Na véspera fiquei sem computador... estava a lêr uma mensagem deveras intrigante, numa das suas páginas e li-a, para além do que tinha escrito. Parece que foi castigo: Puf! Salvo erro, um fusível queimado e o computador apagou-se, literalmente. Coincidências, dirão e também que nada é por acaso e que não existem coincidências (ele há pessoas para tudo!). Ao longo das minhas andanças tenho verificado que as posições extremas são as que trazem menos conhecimento e são um pouco do tipo a discussão do ovo e da galinha.

Leio para além do que está escrito porque a maior parte das vezes, quase todos nós escrevemos para dissimular o que somos e o que queremos dizer. Lêr nas entrelinhas também é insuficiente e dá apenas a ideia do que queremos... O fundamental é o que somos.

Agora, quanto à liberdade - a sua mensagem pareceu-me tão distante das minhas experiências... (também não são assim tantas).

Sou muito cerebral e espero não aborrecer. Gostaria de saber mais sobre a "doçura" e sobre "o campo de lírios". Como pode a liberdade ser sentida? Acho-me a pessoa mais livre do mundo, mas isso não me traz sensações, pelo contrário preocupa-me e traz-me quase o oposto, ou seja, muitas condicionantes e em particular um sentido demasiado apurado de responsabilidade.

Gostaria de ter o seu comentário.

Agradeço.
Naia Castro "

14 comentários:

zmsantos disse...

Pois bem, Sr.? Srª? Naia Castro, aqui estou eu a comentar.

Primeiro:

Pela maneira como se exprime, diria que este mundo virtual é-lhe bastante estranho.Frases como 'ler uma mensagem...' num blogue está fora do contexto. Depois é esse ar formal da escrita, como que se estivesse a escrever uma carta comercial, que me transporta para um qualquer escritório de advogados de província do principio do século.

Segundo:

Diz que não sabe como a liberdade pode ser sentida. Ou é muito jovem, (o que contraria a minha anterior suposição, e não passou pela mordaça de viver em ditadura) ou então está morto(a) e nunca conheceu a Força libertadora que Abril trouxe a este povo.Não acredito que seja desprovido(a) de sentimentos!

Concordo consigo quando afirma que a liberdade lhe aumenta a responsabilidade. Mas sem sonho,sem utopia, ela não passará de um conjunto de normas e regulamentos que teremos de cumprir. A liberdade é muito mais do que isso,é abrir a alma e dar-nos a conhecer aos outros. É usufruir da sua força com 'doçura' e talvez, quem sabe, personifica-la num 'campo de lírios'

Caro(a) Naia Castro, sinto-me lisonjeado pela sua participação neste nosso 'livro aberto'. Espero que continue, e que se adense o mistério da sua identidade com novos escritos seus.

Para terminar, como diria Camilo,

Os meus mais respeitosos cumprimentos

ZM

Anónimo disse...

naia Castro
sinto a dor e o encanto de haver um sonho que transformei.
sem medos!

Lusaut disse...

Liberty means responsibility. That is why most men dread it.
(George Bernard Shaw)

Anónimo disse...

Sr Perdigão,

... Temi que me achasse uma espécie de Neonazi ou duma qualquer encarnação do Antigo Regime, pelo que as suas palavras são muito bem vindas. Merecem um agradecimento.

Das suas palavras interpreto que requer algumas respostas... (como já tinha dito leio para além do que está escrito).

Pois bem, não seria simpático da minha parte não responder:

- Mulher ou homem? É apenas uma diferença hormonal e química. A forma como as hormonas se agregam, principalmente, a sua quantidade é que define, salvo erro pelo 3º/4º mês de gestação, a forma física de um ser humano, enquanto homem ou mulher. De resto, ambos têm a mesma composição, em termos biológicos, o que varia são as quantidades e os conjuntos que o ADN programa e repete... Tudo o mais é a cultura, a socialização, a economia, a política... que se encarregam de estabelecer os papeis esperados de um e de outro. Em termos de existência que diferença faz? A propósito das “quantidades hormonais” e este é um tema interessante, para repensarmos a homossexualidade, de uma forma menos ignorante, mas isso agora não tem grande relevância;

- O mundo "virtual" é-me de facto estranho (até porque segundo me diz não se lêem mensagens num blogue - já agora como se diz?). O mundo tal qual é não me é nada estranho. Identifico tudo o que nele existe. Os quatro elementos, os seres vivos, animados e inanimados, os seres humanos, algumas e variadas formas de se expressarem, algumas das suas línguas, etc., etc. Reconheço a maior parte das coisas que vejo, que leio, que toco, que ouço, se é que me faço entender. Agora, quanto ao que leio e quanto ao que os outros dizem que pensam e sentem, mesmo com o devido respeito por todas as ideias de todos as pessoas, a maior parte das vezes, parece-me que tudo o que não possa ser equacionado num laboratório é alvo de muita especulação e inclusivé traz e envolve as próprias situações pessoais. Vou dar-lhe um exemplo: Mozart foi um génio e isso parece incontestável, mas estudos aprofundados da sua personalidade revelaram histeria, esquizofrenia, entre outros distúrbios. Acontece que estes distúrbios foram canalizados e acabaram por contribuir e fazer parte da sua obra grandiosa... O mesmo se concluiu e até de forma mais fundamentada de Fernando Pessoa. É isto o mundo virtual? O das sensações? O das emoções? É por isso que a liberdade é doce? E para os que morreram por causa do 25 de Abril, nomeadamente os que estavam nas Ex-colónias? Acha que uma mãe de família que perde o filho em combate ao serviço da Pátria sente doçura pela Liberdade? Já não seria ela suficientemente livre, como mãe, esposa, mulher?... A liberdade não é o que cada um quer ser e fazer? Os regimes não são aquilo que o povo coloca ao seu serviço e que as sociedades criam e legitimam para se organizarem e disciplinarem? Quem elegeu Hitler? Quem permitiu Mussolini chegar onde chegou? Quem proporcionou a Salazar o Novo Regime? Os governos, as instituições, os líderes não são cogumelos... têm antecedentes históricos e sociais, têm-nos a todos nós por detrás, aos nossos pais, avós, tetravós, até têm os Pitecantropus e os Australopitecus... A história humana é a de todos nós e a liberdade, a opressão, a ditadura, a democracia, a utopia e o caos é de todos nós... Faz-me lembrar a história do Toxicodependente, ai, ai, ai coitadinho - Se eu resolver seguir o meu caminho e tiver amigos a ajudar, a "culpa" é de quem? Não me diga que é dos meus pais! Porque um era alcoólico e outro abandonou o lar em tenra idade...
- A “formalidade” é uma necessidade do rigor...
- No princípio do século os escritórios não estavam mais nas cidades que nas províncias?
- Jovem? Eu? Não. Só não estava cá. Sou emigrante, nasci e cresci noutro país. Por motivos e raízes familiares fixei residência em Portugal, em 1983.
- "Força" libertadora? A força é a contracção de músculos, em pressão exercida sobre um objecto de modo a demovê-lo, à partida com um objectivo... A força mental é precisamente a mesma coisa, só que usamos outros mecanismos... e vejo Portugal tão fraco e tão preso... Fraco porque já não vem à rua... o tempo melhora e ninguém sai porque criámos guetos de medo e de complexos... já não convivemos, o vizinho do lado tornou-se um estranho com o qual é preciso competir e na rua não porque nos assaltam... Preso porque só tem contas para pagar, deve tudo a toda gente e paga e não refila e come do que não gosta...
- Ninguém é desprovido de sentimentos. Pode mostra-los, ou não. Questioná-los, ou não. Submete-los à razão, ou não... Os sentimentos são um bem preciosíssimo e quando entendidos na sua origem e no seu objectivo são uma fonte de energia muito poderosa... mas, como tudo, têm que ser submetidos, caso contrário dão confusão... acho que se não fosse assim não tinha existido Mozart, não tínhamos Pessoa, compreende?
- Abrir a alma? ... Não há laboratório para este conceito... (ah, p.f. não diga que não tive piada! e não me venha outra vez com os advogados de escritórios da província! Trabalho num sítio bem arejadinho e gosto muito de apanhar ar...e sem ter vivido a "sua" liberdade passeio muito, de noite e de dia e gosto de falar com ucranianos, negros, cabo verdeanos, africanos e já estive à beira de um assalto. Em que eu era o alvo e desatei a rir, fujiram entenderam a demência que todos temos em nós)
- Sr Perdigão, já respondi e falei demais e temo que é por causa destas e outras, que me mandam reler Bernard Shaw. Apesar de ser uma "seca" agradeço a referência porque B. Shaw é um autor muito arrumadinho e também bastante “cerebral”, mas é mais formal que eu... ah é verdade! e dizem-me também que a dor e o encanto transformam os sonhos, mas que é preciso não ter medo...
- Ora, a dor é a transmissão de uma mensagem de alerta ao cerebro, canalizada pelos neurónios, através de neurotransmissores, ao respectivo centro cuja conjugação leva a uma tomada de atitude perante o que está a acontecer e o nosso corpo disponibiliza adrenalina q.b. para dar-mos um murro se for preciso ou desatarmos a fujir da situação. O mesmo se passa com a dor psíquica e emocional, só que os sintomas variam... agora vou ter piada... variam por causa das quantidades e desculpem-me qualquer coisinha mas não ter medo é ser louco e ser criativo... Não ter medo é sui generis... exige imaginação e uma boa dose de loucura.
- Os sonhos são as mensagens do dia a dia que necessitam obrigatoriamente de ser "recicladas" nas fases REM e RAM durante as horas de sono, caso contrário passamos a padecer de descoordenação e falta de concentração (física e mental)
- Agradeço a referência a Bernard Shaw porque vem de encontro a conceitos lógicos e arrumadinhos...., agradeço os sentimentos que me comunicaram, mas diga-me Sr Perdigão, não concorda que estamos a precisar de nos organizar, de nos arrumar? Afinal a liberdade é mesmo responsabilidade! A doçura vem do mel e os lírios não sabem o que fazem - apenas cumprem o seu ciclo de vida (e não lhes falte chuva e sol...senão não há lírios, não há nada...) Porque aplicam sentimentos a conceitos tão concretos?

Bem, vou confessar um segredo: a doçura também vem de uma voz, de uma canção, de um olhar... o problema é que todos estes aspectos não provêem de conceitos (Sr Perdigão - a liberdade é um conceito!), provêem antes do seres humanos e estes são muito complexos...

Não quero aborrece-lo (vos) mais e eu é que recebo o lisonjeio das suas ( e vossas) palavras. Vamos é tentar focalizar-nos num campo, num assunto - a liberdade está a ser um bom tema (por exemplo, digo eu).

Espero que entendam a formalidade não vos decepcione... é mesmo uma necessidade do rigor.

Agradeço (mesmo!)
Naia Castro

P.S. Não sabia que Camilo se despedia assim... ou é por ser do Sec XIX?! Não foi advogado nas horas livres, pois não?

zmsantos disse...

Bravo Naia Castro!

Vejo que o domínio das “Três Artes Liberais” em si é perfeito, e com especial incidência a da retórica. Depois de ler o seu comentário/resposta quase fiquei convencido que a capacidade de sonhar do ser humano (não aquela, alvo da reciclagem REM/RAM) só acontece porque algum órgão interno (o fígado, talvez) se contraiu, enviando impulsos químico-eléctricos ao cérebro, o que daí se conclui que, senão tivéssemos fígado (ou outras iscas) a vida não seria ditada, muitas vezes, por esta capacidade de projectarmos os nossos destinos. Ou então, como afirma, a importância da histeria e de esquizofrenias se conjugarem na criação de sinfonias e requiens.

Nem tudo se explica no tubo de ensaio e sob a batuta de um determinismo monocórdico. Os átomos já por aqui andavam quando um grego com eles sonhou, mesmo sem os ver. E o Universo? E o pouco que dele sabemos? Acha que, se os homens não ficassem extasiados a contemplar as estrelas, alguma vez teriam sonhado pisar o chão da Lua?

No meu pouco entender, (a poesia é sempre um obstáculo a estas matérias) tudo se resume a escolhas que cada um de nós faz, em momentos importantes do nosso crescimento intelectual, e às experiências a que somos sujeitos, embora estas últimas não sejam determinantes na formação dos caracteres. Vimos dois irmãos criados num mesmo contexto, e com ideias tão opostas um do outro. A abstracção é a maior prova da capacidade que o ser humano pode dar da necessidade de ser livre e de se sentir como tal, e isto não terá que ser, forçosamente, explicado pelo mundo real ou virtual. Para isso existem as filosofias e os seus gurus: Idealistas, racionalistas, existencialistas, marxistas, fascistas e mais um punhado de religiões que decerto conhecerá.
Não lhe irei responder ponto a ponto às suas interrogações, mas a esta não poderia deixar de o fazer: A liberdade que o 25 de Abril proporcionou a este país, não matou ninguém, nem mesmo aqueles que, pela repressão dessa liberdade, mataram e torturaram quem por ela lutou. Ninguém morreu nas ex-colónias por causa do 25 de Abril. Pelo contrário, o 25 de Abril veio acabar com essa guerra sem sentido. Os filhos não se perderam ao serviço da Pátria como diz, perderam-se ao serviço de interesses daqueles que os mandavam combater. Que lhes privavam da liberdade de dizer NÃO.

Quanto aos lírios, não menospreze o objecto da sua existência, são tão importantes como dois riscos numa tela.

Os meus mais respeitosos cumprimentos,

ZM

Anónimo disse...

Bem este(a) Naia Castro é cá uma seca........... eh páh de uma vez por todas diga la es carne ou peixe e que estamos um pouco fartos dessa ladainha.

Anónimo disse...

Naia Castro, a realidade, concreta ou não, é tudo o que somos, no mais íntimo e no mais externo de cada "eu".
Diz que "O mundo "virtual" é-me de facto estranho", mesmo esse mesmo mundo, que virtual seja, pertence ao que diz ser"O mundo tal qual é" e que "não me é nada estranho".
Além disso, não lhe parece existir fusão de ser entre o virtual e a virtude?
É por isso que, também eu sinto que "É meu natural ser artificial"!, mas não mentiroso! Ser.
Sem medos!

Anónimo disse...

Sr Perdigão,

Reporto-me a si porque é consigo que me entendo melhor... mas não é totalmente a si que vou dirigir as próximas palavras.

Estas vão para um dos "anónimos" que me questionou de forma bastante interessante...e parece ser o único, até agora, que quase percebe o que venho dizendo.

Este anónimo dá a ideia que percebe a "aparente separação" que faço do essencial e do existêncial. Por outro lado, percebe que dou importância à clareza de conceitos e que não acho vantagem nenhuma em tê-los confusamente atribuidos a sujeitos e ou objectos que não têm o conceito em si... Bem, há ainda outro aspecto curioso neste "anónimo" - é que dá a ideia de que conseguiu "assimilar ambos" e de forma clara - ou seja, dá a ideia que "sente o campo de lírios", mas sabe perfeitamente o que são os lírios em si e diz ainda "não ter medos".

Pergunto - é correcta a "ideia" que tive deste anónimo? E que me diz quando respondi que não ter medo é ser louco e criativo ao mesmo tempo?

Sr Perdigão, quanto às suas palavras e à pertinência e paciência com que me atura e, repito, porque é consigo que me entendo melhor, estas vão merecer maior cuidado e maior fundamentação da minha parte. Nos últimos dias, não tenho tido muito tempo e tenho vivido mais no espaço, como diria um grande amigo meu.

De modo que, de moento, espero que saia muito à rua, aproveite bem o sol, a chuva, as flores, os cheiros, o que quer que o mundo lhe ofereça e o senhor esteja disposto a receber e que consiga perceber que tudo o que o mundo lhe dá é-lhe transmitido por sentidos tácteis, olfactivos, entre outros e conduzidos para os campos, onde o seu cérebro, socializado e enculturado vai processar essas informações e depois dirá: que a liberdade e os campos de lírios têm muito a ver...

Que aproveite bem os seus sentidos e tenha um excelente fim de semana!

Agradeço e até breve.

Naia Castro

zmsantos disse...

Naia, Naia, decerto conhece a figura "A alegoria da Caverna"...

Isto para lhe voltar a dizer que mesmo dentro da cela de uma prisão o homem sonha com a liberdade de correr no meio de um campo de lírios, embora tudo o que veja, ouça, cheire e toque são apenas quatro paredes; sem côr, sem cheiro, sem som e gastas pelas mãos na ânsia de as transpôr.

Ah... a propósito, eu também sei, perfeitamente o que sâo lírios. A última vêz que os confundi, foi com farturas (aquelas das feiras)mas foi há muito tempo, ainda eles não tinham entrado nos manuais de botânica.

Os meus mais respeitosos cumprimentos

ZM

Anónimo disse...

Naia Castro,
gostar de olhar os lírios
no campo da memória,
como papoilas nas encostas, longas,
junto aos velhos moinhos abandonados,

para deles colher a docura selvagem
do cheiro a sonho
da Primavera,


é colher gotas de orvalho n
as manhãs do deserto...
- Sem medos!

Anónimo disse...

Perdigão perdeu a pena... Mas não perdeu a paciência nem o bom senso!...

Anónimo disse...

Sr Perdigão,

O meu dia começou muito cedo. Com uma pressa sem motivo, aparente. Com um nível de adrenalina fora do normal. Esta substância dá-nos acção, reacção e uma sensação de força muscular extraordinária. Achei que, se qualquer obstáculo se deparasse no meu caminho, hoje, estaria condenado. Isto não me preocupa. É só um sintoma. É como ter febre. A questão é o que está por detrás do sintoma. Li e reli as suas últimas palavras e as do “nosso” amigo anónimo, o que não tem medo. Ambos, não me saem da cabeça... Passo acelerado e o último lance das escadas do prédio apanhou-me em descoordenação. Não, não caí. O reflexo da mão no corrimão foi mais rápido. Bastou tirar os olhos das escadas e elas é que me condenariam. (Sabia que há pessoas que memorizam o número de degraus para não terem que andar sempre a olhar para o chão? Sabia também que há pessoas que, normalmente, não gostam de pisar as divisórias dos passeios, das lajes, dos azulejos, no chão e que os psicólogos as interpretam como ligeiramente maníacas e obsessivas?) O espaço não é vazio. A contagem de degraus pode ser uma forma de organização de obstáculos. O espaço é ocupado, mesmo o sideral. Tem objectos. Tem vidas. Tem movimento. Todos devem harmonizar-se. Estão em elos, em cadeias, em interactividades, por vezes complexas. A cadeia existe. Com harmonia é sustentável. A adrenalina por detrás da pressa. A madrugada por detrás do cansaço. As escadas à frente do nariz. Os objectivos, as ideias por detrás da capacidade de sonhar do Sr Perdigão. A técnica por detrás do sonho. O Concord reformou-se. Outro virá. A expressão por detrás das palavras. O primeiro som antes de tudo...As gaivotas em busca de alimento no mar são o quadro mais belo da natureza. Há ar, água, terra, leveza, necessidade básica e continuidade. Manutenção. Manter-se vivo. Comer. Renovação. A espécie. Procurar parceiro. Procurar alimento. A areia tem milhões de milhões de anos em grão. A alga faz a fotossíntese. O oxigénio é fundamental, no mar, para os que lá vivem, na terra para os que lá vivem, no ar, para os que lá vivem. Outra vez a cadeia. Outra vez a harmonia. A cada passo a circunstância. O efeito bola de neve. As escadas. A pressa. A liberdade a 25 de Abril. Em Portugal, a entrada de tropas com cravos. Em Angola, uma mãe. Em Angola chega. Aos oito anos idade com os pais e uma pasta de papeis na mão. Tinham que ser apresentados, com as respectivas autorizações do governo, para que pudessem trabalhar em qualquer colonato do Norte, brancos, mas também negros na escravidão. Kuansa era o rio mais bonito daquela terra. Menina, mulher. Conhece o pai dos seus 5 filhos. Do seu trabalho faz a sua vida. Consegue sair do colonato. Huambo tinha um forno colectivo para fazer pão, quando foi para lá morar. Em Maio cai a primeira granada no quintal. Os filhos mais velhos estavam na rua. Longe. Dois estavam em casa. Ela insistia que deveriam dormir a sesta após o almoço. Pelo menos até aos seis anos. Ela tinha saído para limpar o forno a dois quilómetros de casa. Não voltou mais a casa. A granada fez muitos estragos. Há sempre uma causa para qualquer efeito.

O meu maior respeito e admiração pelas suas causas Sr Perdigão.

A minha melhor consideração pelas nossas circunstâncias.

A minha enorme apreensão pelos reflexos de todas as acções praticadas neste nosso espaço. (No blogue. Nas 24 horas do dia. Na cidade. No país. No continente. No oceano. Na alteração das trajectórias dos planetas.) Somos tão infímos e tão arrogantes Sr Perdigão. Actuamos de forma tão preversa!

Admiro cada vez mais o cuidado e a simplicidade. O cuidado em não tropeçar em escadas, em atravessar as ruas, em dar bom dia, em sorrir, em responder bem, em ser agradável... Em regar os lírios (se os tivesse).

Em particular admiro a simplicidade com que diz “Olha para mim todo vaidoso”.

É indescrítivel – nem a sua poesia conseguiria expressar melhor esta sua frase - foi das coisas mais autênticas, mais verdadeiras, mais lógicas que li nos últimos tempos.

Sr Perdigão esteja vaidoso porque merece. A nossa divergência conceptual é apenas uma divergência natural...

Agradeço.

Naia castro

zmsantos disse...

Palavras para quê? É Naia Castro, fazendo as habituais piruetas existenciais (e mais uma na escada)

Naia é sempre benvindo(a) a este blog. As nossas divergências, se é que existem, são apenas fruto de duas galáxias em colisão neste universo que é a vida. Como vê, não é nada de mais. Mas, sugestão minha, talvêz fosse oportuno mudarmos de rumo á conversa, sabe, eu já nem as telenovelas consigo acompanhar. Deixemos os lírios.

Sem arrogância, com simplicidade.

Os meus mais respeitosos cumprimentos

ZM

Anónimo disse...

Sr Perdigão,

Estive a ler "Mar de Memórias" (finalmente). Tem motivos para estar orgulhoso. Prima pela beleza na escrita e percebe-se nitidamente que essa beleza só possível porque é muito honesta, vem de dentro e aquilo que diz é relamente o que sente. A prova disso é que não é possível ler mais nada que beleza, simplicidade e muita ternura, para além do que escreveu. Pessoa bonita, o Senhor Perdigão! Até me faz inveja ( no bom sentido...) porque todos os sentimentos que tive são de há tanto tempo que mal os recordo. Não me recordo da minha rua porque também nunca tive uma rua propriamente dita... Excepto os primeiros 4 anos de vida em que tive uma morada regular da qual não tenho consciência, devido à profissão do meu pai, não residíamos mais que 24 a 36 meses no mesmo local... habituei-me a não me "afeiçoar" a lugares, nem a pessoas, nem a hábitos. Percebe porquê que a maior parte das coisas que me dizem me são estranhas? Será tão díficil equacionar que as pessoas não são todas iguais e que as vivências não são mencionáveis?...Bem, era mesmo só para o elogiar e manifestar o meu apreço.

Estou em vias de elaborar um novo tema - como sugeriu.

Até breve.
Agradeço

Naia castro