04 setembro 2006

Santo Antão

O ‘Mar d’Canal’ fazia agora parte da terra firme. As amarras que o prendiam ao cais mantinham-no imóvel num reiterado compromisso entre cosa di terra e cosa di mar. Enquanto esperavamos pelo nosso transporte para a visita à ilha, os pés iam-se habituando, de novo, à solidez de um chão que, finalmente, deixara de se mover como se tivesse vida própria.
Em pouco tempo toda a zona portuária se transformara numa enorme Meca, com gente trazendo, levando, gesticulando e gritando a oferecer serviços de transporte e de estiva.

Santo Antão é uma das ilhas mais acidentadas do arquipélago, e a mais exuberante em vegetação. É terra de camponeses que com arte e engenho cultiva as suas íngremes encostas, tentando livrar a água e a terra dos intermináveis abismos. A única pista de avião encontra-se desactivada, penso que desde o acidente áereo ocorrido na ilha nos anos 80. Todos os bens necessários chegam do Mindelo atravessando o Canal que separa as duas ilhas. Assim, enquanto esperavamos, vimos passar sofás, antenas parabólicas, banheiras, cabras e porcos, enfim tudo o que se possa imaginar pertencer ao espólio de uma gigantesca quermesse de feira.

Finalmente o nosso guia, o Morais, lá nos encaminhou para a já familiar Toyota, e iniciámos a grande subida. Mal tinhamos percorrido duas centenas de metros o Morais informa-nos que vamos parar para comprar água ou tomar café, pois esta excursão é non stop. Teriamos que estar de volta antes das seis horas da tarde, hora da partida da única carreira para o Mindelo. Parámos num café sobranceiro à falésia onde se avistava o Porto Novo como um enorme formigueiro, agora visto de cima.
Entrámos no ‘Sereia Azul’, que em pouco tempo lotou com o nosso grupo. Achei estranho não haver ninguém para nos atender, mas pensei: - Estás em Cabo Verde, meu, nada de stress. Os minutos iam passando e nem sombra para nos aviar umas bjecas. O pessoal já estava a desatinar quando reparamos, que mesmo em frente, do outro lado da estrada, um homem, imóvel, contemplava o movimento no cais. Era o proprietário do café, como mais tarde se verificou. A chegada do barco, era a chegada de notícias, dos amigos, da família, e nem estes tempos em que o turismo vinha quebrando algumas barreiras eram suficientes para pôr fim ás lágrimas de uma partida, aos sorrisos de uma chegada.

- Bom dia. O que vão querer, por favor?

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